domingo, 10 de junho de 2018

A MINHA LUTA: LIVRO 2

Humanos que se tocam, independentemente da distância, ou desconhecimento, acabamos, ao fim e ao cabo, por ser. Todos nós.  E a realidade enquanto espectáculo de consumo massivo, coisa miserável para ser sair em directo da tv para os sofás do mundo, compartimentada em folhas de papel e letra de texto, não só sobrevive à intenção, como triunfa. Curioso.   

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Quanto ao livro, tem, este norueguês que o escreve, uma inclinação para títulos que estorvam o homem que se predispõe a vasculhar o seu conteúdo, enquanto leitor. Nem lhe passa pela cabeça, claro, na reconstrução da sua luta, com que à vontade deve andar um homem na rua com um livro que grita isto: “Um Homem Apaixonado”. Grita como se pendurasse uma matrícula no leitor e fizesse dele alguém infectado por sentimentos desconchavados, um alvo em movimento, ou um feitor de frases do tipo, coitado, vai ali um pobre coitado com um letreiro e desespero de causa. Pela minha parte, resolvi o problema com a capa encostada à anca e a contracapa ao léu. 
Uma vez, sentado na cadeira de uma esplanada, em Vila Nova de Gaia, cidade muito cheia de cadeiras com vista para o mar, fez o autor por trazer à minha paisagem o trabalho de parto da esposa e o nascimento da primeira filha. Calhou de ter sido algo diferente das minhas observações, já que a mãe, no texto como na vida, foi posta a parir de pé, no quarto. É como a morte, existe, mas nunca a vi a acontecer à minha frente. Deu-me para ler assim a situação.
O livro tomou alguns cafés ao sol. Deve ter dormido duas ou três noites no chão do carro. Ficou fechado a aloquete no ginásio enquanto punha o corpo ao lume, e só depois da fervura dos músculos voltava a plantar horas de leitura nos canteiros de Karl Ove Kausgaard, nos cigarros fumados à varanda, na caminhadas e nas discussões, no homem que escreve à pressa e que se confunde com o homem que lê de repente.  

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Bem ou mal, agarrou o chamamento pelos cornos e escreveu um livro que tanto dá vontade de fazer lenha com ele, principlamente nos diálogos vazios entre amigos e que só a esses importam, como de fazer as malas e abalar  para aquela Noruega desencantada e para uma Suécia que abre a porta a um estranho e depois o põe no centro do universo literário.

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A Minha Luta: 2 UM HOMEM APAIXONADO, Karl Ove Knausgaard - RELÓGIO D´ÁGUA 2015

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