Senti enormes dificuldades de guarda-chuva em punho, do Instituto Português de Oncologia à livraria Bertrand, tanto por causa da chuva como por causa do vento, que a semeou por onde quis e a espalhou por mim abaixo, a partir dos joelhos e até à sola das sapatilhas. Senti como se deve sentir o espadachim inexperiente, desafiado a esgrimir uma lâmina demasiado pesada para as suas parcas habilitações de combatente. Felizmente o caminho é curto.
Ainda na semana passada era verão interminável. Lembro-me bem de ter aspirado a casa e de ter descido ao Chez Maurice ao fim da tarde, para beber sossego, jornal e livro, conforme anotei numa entrada referente ao dia 7 deste mês.
Ainda na semana passada era verão interminável. Lembro-me bem de ter aspirado a casa e de ter descido ao Chez Maurice ao fim da tarde, para beber sossego, jornal e livro, conforme anotei numa entrada referente ao dia 7 deste mês.
Na semana passada voltámos ao IPO. Na semana passada eu não só já tinha comprado o livro como o estava ler ao ritmo de quem rouba tempo ao tempo perdido. E não o estava apenas a ler. Sentia-me um personagem que o escritor não detectara e que assistia a cada linha como se lá estivesse entre as palavras e o andamento da história.

Estamos já todos vacinados contra os tempos mortos nas salas de espera do IPO e contra os pontualíssimos atrasos, eles não falham. Espero eu, o pai, a mãe. Eles não precisam de muita coisa para estarem bem, estando ali um com o outro. Eu costumo levar comigo o livro que ando a ler. Desta vez não tive coragem de o fazer. Como poderia estar ali naquele lugar com o pai e com um um título inoportuno? A mãe sempre que me vê com um livro só diz: é bonito? Nunca fui capaz de dar boa resposta à interrogação que ela tem com ela a propósito dos livros.
Sabia que ia ter tempo para ler e sabia que queria aproveitar aquele tempo para continuar a ver o espectáculo da vida um escritor norueguês, num primeiro de seis episódios, livros. De forma a resolver os meus problemas de consciência com o título, decidi levar “A Morte do Pai” numa mochila enquanto conduzia o meu pai à sua rotina de doente oncológico. Faltou-me coragem para o tirar da mochila. Em vez disso, e porque havia duas consultas com intervalo de horas pelo meio, baldei-me daquele aperto e fui ao ginásio.
Devo confessar que a leitura me levou ao google para pesquisar o aspecto da mulher do primeiro casamento do escritor, que encontrei de imediato. Quis ver se havia fotografias dele enquanto jogador sénior de uma equipa de futebol amador, mas não havia.
Sobre o Karl Ove Knausgaard: espanta-me o tamanho da memória dele. Também me espanta o tempo que tem para escrever. E a forma como o consegue fazer. Guardei um frase do miolo, que é esta: “escrever é retirar da sombra aquilo que sabemos. Escrever é isso”.
Comecei a ler o livro por acaso, em cima de outros livros, na FNAC, alguns meses depois de o meu pai ter ultrapassado o problema do pulmão. Incapaz de o largar, conduzi-me à caixa registadora como se o livro fosse um volante, e lendo daí em diante, não pude voltar a esquecer o promissor, e honesto, arranque: ”Para o coração a vida é simples: bate enquanto pode. Depois pára”.
A Minha Luta:1 A MORTE DO PAI, Karl Ove Knausgaard - RELÓGIO D´ÁGUA 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário